sábado, 2 de julho de 2011

Pequenas Igrejas E Grande Negócios

Autor: Ivani de Araujo Medina

Pequenas igrejas e grandes negócios

Por: Ivani de Araujo Medina

 

O título deste artigo é uma alusão ao programa de televisão “Pequenas empresas e grandes negócios” que é apoiado pelo SEBRAE (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e serviu de parodia a estudantes universitários do Paraná. Uma forma irônica de assinalar o crescimento de uma atividade de baixo investimento e alto poder de capitalização ─ as novas igrejas evangélicas.

O número de programas de pastores e missionários cresce no rádio e na televisão, contando com a isenção de impostos que o governo concede a esse tipo de atividade cada vez mais incensada no meio político. Quanto mais arrecadam, mais horários compram nos meios de comunicação para expandirem seus negócios. Este tipo de crença é um excelente produto porque preenche uma lacuna ignorada pelos demais segmentos da sociedade. Estabeleceu-se no segundo século da Era Cristã em função da paz, sem a qual a atividade comercial seria impossível.

Deus e prosperidade são partes de um mesmo processo, ainda cultivado na sombra, que envolve estabilidade, coesão social e captação de recursos. Sim, me refiro ao Deus do Antigo Testamento e não a idéia de Deus do Novo Testamento ou de qualquer outra origem quando são abstratas demais. Quero dizer com isso que Deus tem que parecer real. É a funcionalidade do Antigo Testamento que se encarrega disso, de dar a sensação de convencimento ao crente. Já imaginou o cristianismo sem ele, somente com suas idéias abstratas? Impossível, não? Mesmo odiando os judeus, Irineu, um dos pais da Igreja, havia percebido a sua vital importância quando optou por fulminar o gnosticismo.

A vocação dos judeus para ganhar dinheiro está ligada a sobrevivência da cultura judaica. Precisavam comprar favores das autoridades nas sociedades nas quais haviam se incluído como um corpo estranho. Moravam em bairros próprios e preservavam seus costumes. Eram impermeáveis a idéias e hábitos do mundo antigo dominado pelos gregos. Faziam concessões apenas na moda O dízimo era uma forma de financiamento do direto de ser judeu. Era o preço que pagavam literalmente pela obstinação de permanecerem fies a própria cultura.

No entanto, dinheiro significa poder e a esperteza é tão antiga quanto a Humanidade. No judaísmo antigo o abuso das famílias sacerdotais ─ os saduceus ─ chegou ao fim com a destruição do segundo templo na guerra romano-judaica de 66-70/3 e o desaparecimento definitivo desta classe religiosa. A partir daí, não houve mais liderança centralizada no seio do judaísmo. O enriquecimento ilícito apoiado na tradição e na ignorância dos convertidos tornou-se coisa do passado.

Entretanto, no mundo não-judeu, cada vez mais, templo é dinheiro. O protestantismo, que deu origem as igrejas evangélicas, buscou se libertar da autoridade da Igreja Católica Apostólica Romana e do seu jugo econômico e financeiro, inspirando-se no acéfalo modelo judeu, no qual cada um respondia diretamente a Deus pelos seus atos. Já o catolicismo preservou o elitizado modelo Greco-romano, no qual todos deviam obediência incondicional ao representante de Deus na Terra ─ o Papa. Essa diferença se fez sentir mais claramente na colonização das Américas. Hoje temos a afortunada América protestante e a problemática América católica, com suas intermináveis dificuldades de ordem social.

O óbvio sucesso da teologia da prosperidade na América católica tem encorajado a profissão de pastor evangélico, tendo em vista o enorme potencial de mercado por aqui. Existem cursos diversos visando à formação de arrecadadores cada vez mais competentes. Uma indústria específica se forma no Brasil com o diversificado talento brasileiro para o comércio da fé. Igrejas brasileiras já se espalharam pelo mundo como as norte-americanas, e competem com elas pau a pau. Vendem sabonetes abençoados, pedrinhas abençoadas de Jerusalém, organizam excursões à Terra Santa entre outras tantas formas de arrecadação.

Quando falamos em santidade não podemos esquecer de que as histórias da Terra Santa ainda são escritas com sangue, justamente por causa disso (santidade). “Santo” significa separado, o que na prática sempre trouxe mais problemas do que soluções. Assim sendo, por ironia do destino, observamos a existência de um santo ideal a diferenciar o dízimo judeu do dízimo dessas igrejas recentes.

Todavia, mesmo sem admirar religião alguma, devo admitir que o protestantismo também ofereça modelos de coerência ideológica. Por exemplo, nos Estados Unidos da América do Norte, a comunidade protestante dos quakers é uma verdadeira amostra de vida santa (separada). Lá, o dízimo faz todo sentido por mantê-los com são, numa sociedade pacifista, igualitária e apartada da vida mundana. Esse é o ponto aonde eu queria chegar.

A compreensão do significado do dízimo é fundamental para desmascarar essa aventura religiosa que se serve de engodos do tipo: “Quanto mais você oferecer a Deus mais graças Ele te concederá”. “Seja um abençoado, ajudando a tua igreja a divulgar ainda mais a palavra de Deus, assim Ele te concederá vitórias”.

Pequenas igrejas são grandes negócios porque a história da qual resultaram as grandes e mais antigas igrejas, ainda se encontra na sombra de um passado fraudulento, cuja inspiração, notadamente materialista, continua a acalentar o desejo de um domínio absoluto da Humanidade. O historiador Arnold J. Toynbee previu que o grande confronto do século XXI será entre o cristianismo e o islamismo. Perigo que a fé recusa enxergar. Espero que, de alguma maneira, consigamos esvaziá-lo antes.

http://www.artigonal.com/religiao-artigos/pequenas-igrejas-e-grande-negocios-1434119.html

Perfil do Autor

Pesquisador independente de História Antiga e do fenômeno da religião.

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